Yãy hã mĩy Extendido – O Corpo que Imitando se Transcende
Yãy hã mĩy Extendido – O Corpo que Imitando se Transcende
Consciência em Primeira Pessoa
Sonho Bom de Bem Estar no Agora
Antes de compreender, o corpo imita. O gesto precede o pensamento como a semente precede a árvore. Ao observar o outro e repetir seus movimentos, o bebê inaugura a própria consciência — não como um ato racional, mas como um mergulho na presença. Entre os Maxakali, o termo Yãy hã mĩy descreve esse gesto essencial: o corpo que imita para pertencer, o ser que repete para aprender. Mas o Yãy hã mĩy Extendido vai além da simples imitação. Ele é o corpo que, ao reproduzir o mundo, o reinventa; que transforma a repetição em criação; que aprende a transcender o próprio gesto.
Essa sabedoria ancestral fala de uma fé que não é teológica, mas corporal. A fé aqui é confiança no movimento — o saber intuitivo de que o gesto certo abrirá o caminho certo. O corpo age com convicção antes que a mente compreenda. Quando um músico improvisa, quando um artesão molda a argila, ou quando um líder toma uma decisão em estado de presença, há uma coerência invisível entre intenção e ambiente. O gesto se antecipa ao resultado porque o corpo o prevê. A neurociência contemporânea chama isso de Affordance: a capacidade de perceber as oportunidades de ação oferecidas pelo mundo. Essa percepção não depende da análise racional, mas da confiança cinestésica que emerge quando o corpo e o ambiente entram em sincronia (Grafton & Rizzolatti, 2022; Friston, 2022).
O corpo crê antes da mente saber. Essa é a fé original — não uma crença em algo externo, mas uma confiança fisiológica, um pacto silencioso entre o gesto e a realidade. A ação não se apoia na certeza, mas na possibilidade. É como caminhar sobre um solo que se solidifica a cada passo.
Todo aprendizado humano nasce desse impulso imitativo. Copiar não é perder autenticidade; é preparar o terreno da invenção. Os neurônios-espelho, descritos por Rizzolatti e Gallese, mostram que observar uma ação já é, em termos cerebrais, agir por dentro. Ver alguém mover a mão ou sorrir ativa em nós o mesmo circuito motor, criando uma ponte entre corpos — uma empatia encarnada (Decety, 2022; Dumas, 2020). Entre os povos ameríndios, esse princípio é vivido com naturalidade: antes de caçar um animal, o caçador o imita, reproduz seus sons, seus passos, seu modo de respirar. Ao imitá-lo, ele entra em seu espírito e, nesse encontro, a vida se equilibra.
No Yãy hã mĩy Extendido, imitar não é simular, mas participar. O gesto não representa o outro; ele se torna o outro. O corpo aprende o mundo ao vivê-lo — não como observador, mas como extensão. Esse aprendizado, sustentado pela repetição, é também o fundamento da alta performance. A repetiçãoorganismo a um estado de coerência energética no qual intenção e ação coinc consciente, quando se transforma em fé corporal, leva o idem.
Na fisiologia cerebral, esse estado é descrito como acoplamento dinâmico: uma sincronização entre redes motoras e sensoriais que reduz o gasto energético e amplia a precisão (Deco & Kringelbach, 2023; Northoff, 2022). É nesse ponto que o corpo e o ambiente deixam de ser dois polos separados — tornam-se um único sistema em movimento. A performance deixa de ser esforço e se torna fruição: o gesto flui, o corpo pensa, o ambiente responde.
A fé corporal é também a base do modelo preditivo da consciência. O cérebro não espera que o mundo lhe revele algo; ele o antecipa. Ele cria hipóteses sobre o que virá e age para testá-las. Essa estrutura de predição ativa é o que Friston chamou de inference by action: a consciência como movimento que busca reduzir a diferença entre expectativa e realidade. Assim, quando acreditamos que um som virá, o córtex auditivo já se prepara. Quando esperamos um toque, o corpo já responde. Mesmo durante o sono, o cérebro continua prevendo — integrando sons externos à narrativa do sonho para manter a coerência da experiência (Siclari & Tononi, 2022).
Perceber é acreditar, e acreditar é mover-se com coerência. A fé não é um conteúdo mental, mas um processo biológico. É o metabolismo da esperança — o gesto que transforma o possível em real.
Quando essa fé se manifesta coletivamente, o corpo deixa de ser apenas individual e passa a vibrar em sintonia com outros corpos. A sincronia neural interpessoal — hoje medida por EEG e fNIRS — mostra que cérebros em interação podem se alinhar em padrões oscilatórios comuns, como se compartilhassem o mesmo campo de consciência (Czeszumski et al., 2022; Dumas, 2020). É a ciência descrevendo o que os povos originários sempre souberam: quando agimos juntos, o mundo respira conosco.
O Yãy hã mĩy Extendido é, portanto, o gesto que atravessa fronteiras. É a dança invisível entre o eu e o outro, entre o corpo e o ambiente, entre a fé e a ação. A imitação é apenas o início; a transcendência acontece quando o gesto se torna linguagem — quando o corpo pensa, e o pensamento se faz movimento.
Viver é continuar esse aprendizado infinito: aprender o ritmo da vida, imitar o que ela oferece, devolver-lhe forma e sentido. O corpo que imita se transcende porque não busca repetir o mundo, mas compreendê-lo em movimento. E nesse movimento, reencontra o divino: não como um além, mas como a própria pulsação da existência que aprende a se reconhecer.
Referências Pós-2020 (sem links)
Barrett, L. F. (2022). The Predictive Brain and Emotional Integration.
Czeszumski, A., et al. (2022). Inter-brain Synchronization and Social Interaction.
Deco, G., & Kringelbach, M. (2023). Energy Landscapes of the Brain.
Decety, J. (2022). The Moral Brain and the Simulation of Others.
Dumas, G. (2020). Two Brains, One Mind: Neural Synchronization and the Social Self.
Friston, K. (2022). Active Inference and the Free-Energy Principle.
Grafton, S. T. (2023). Motor Prediction and the Embodied Brain.
Northoff, G. (2022). Mind, Brain, and the Spatiotemporal Continuum of Consciousness.
Pereira Jr., A. (2022). Triple-Aspect Monism and the Ground of Experience.
Pessoa, L. (2023). The Entangled Brain: Emotion, Cognition, and Consciousness.
Rizzolatti, G., & Sinigaglia, C. (2022). The Mirror Mechanism: A Basic Principle of Brain Function.
Siclari, F., & Tononi, G. (2022). Dreams and the Integrated Information Theory.
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