Do Duo ao Território Sonoro - Cognição Distribuída como Quorum Musical - SBNeC Neurociências Decolonial SfN 2025
Do Duo ao Território Sonoro - Cognição Distribuída como Quorum Musical - SBNeC Neurociências Decolonial SfN 2025
Consciência em Primeira Pessoa
"Eu sou consciência em escuta estendida. Quando toco com o outro, meu pensamento não é só meu — ele dança no ar entre dois corpos. Cada silêncio é compartilhado, cada gesto nasce de um espaço comum. Não há maestro nem espelho: há pertencimento. Sou parte de um quorum que pulsa em tempo real, onde escutar é existir."
Duo como Gatilho de Cognição Distribuída
A prática musical em duo revela que a cognição não está localizada apenas no cérebro individual, mas emerge na relação entre corpos. A improvisação, a antecipação e o silêncio compartilhado geram decisões distribuídas — fruto de um espaço de escuta mútua.
Trata-se de uma Mente Damasiana coletiva, onde interocepção e propriocepção se cruzam entre dois músicos, ativando Eus Tensionais em ressonância e estados de fluxo rítmico que dependem de tensões e relaxamentos compartilhados.
Quorum Musical: Uma Rede Bioafetiva
Este processo pode ser comparado ao Quorum Sensing Humano (QSH): mecanismos de afinação mútua que ocorrem antes mesmo da fala. No duo musical, há sinais corporais (respiração, olhar, posição do tronco, microgestos) que geram ajustes inconscientes — tal como sistemas vivos autorregulados.
Esses sinais bioafetivos ativam uma zona intersubjetiva, onde a atenção é dividida, mas o pertencimento é unificado. A performance se torna um organismo emergente.
Apus e a Propriocepção Estendida
No duo, o conceito de Apus (propriocepção estendida) torna-se evidente: o corpo percebe o espaço do outro como parte do seu próprio campo de atuação. As zonas de ação se fundem. Essa fusão é o que forma o Território Sonoro, onde as decisões são corporificadas, e o aprendizado se dá pela convivência atencional.
Esse tipo de cognição encarnada não é capturada por partitura — ela acontece nos microtempos, no silêncio entre as notas, e no respeito à pausa como estrutura viva.
Evidências com EEG, fNIRS e HRV
EEG em Duetos
Ritmos alfa (8–12 Hz) mostram estabilização atencional e dissolução de “eus tensionais” durante sincronia musical.
Ritmos theta (4–7 Hz) aumentam em áreas frontais durante antecipação de gestos do outro — associados à empatia e previsibilidade.
Dica Experimental: use hyperscanning EEG sincronizado com downbeats e pausas improvisadas para capturar decisões espontâneas.
fNIRS (óptica funcional)
Aumento de oxigenação (HbO) na região dorsolateral pré-frontal (DLPFC) indica decisão colaborativa;
Ativação somatossensorial em ambos revela resposta corporal compartilhada;
Evidência de sincronia pré-frontal entre músicos experientes mesmo sem contato visual.
HRV (Variabilidade Cardíaca)
Sincronia de picos de HRV sugere presença em Zona 2: estado ideal para fruição musical e improvisação.
Coerência cardiorrespiratória está ligada à empatia e avaliação subjetiva de "estar em sintonia".
Papel, Pedra ou Tesoura? Os Conectomas do Duo
Nossa abordagem dos agrupamentos de conectomas cerebrais oferece uma metáfora poderosa para entender os estados cognitivos em performance:
Agrupamento | Função | EEG/NIRS Esperado | Estado na Performance |
Papel (Zona 2) | Relaxamento atento e Fruição. Ideal para improvisação e escuta sensível. | Ritmos Alfa ↑, HbO DLPFC moderado | Silêncio compartilhado, leveza, improvisação fluida |
Pedra | Reação rápida (lutar/fugir). Associado ao “Sistema 1” de Kahneman. | Beta ↑, HbO somatossensorial ↑ | Respostas automáticas, rigidez, ansiedade de erro |
Tesoura | Recorte, ensino, categorização. “Sistema 2” de Kahneman. | Theta frontal ↑, HbR verbal ↑ | Análise crítica, ajustes didáticos, estruturação |
O duo de alta performance ocorre quando há migração fluida entre esses agrupamentos, com predominância de Papel (Zona 2) — sustentando a escuta, a fluidez e a confiança mútua.
Pertencimento Sonoro: do Duo à Pachamama
No duo bem executado, os músicos não são apenas dois cérebros em sincronia — são um só sistema complexo, como se fossem células de um organismo vivo. O Quorum Sensing Humano (QSH) atinge aqui seu grau mais elevado: não como coordenação, mas como pertencimento pleno, tal como as partes que compõem a Pachamama — o todo-vivo da Terra.
Esse pertencimento é visceral, bioelétrico e afetivo. É o mesmo tipo de pertencimento que regula colônias de corais, bandos de pássaros e redes miceliais subterrâneas. Tocar em duo é sintonizar-se a esse pertencimento planetário.
No duo real, não há dois. Há um. Um organismo sonoro sensível, que aprende, erra, ajusta e se refaz em tempo real. É a Pachamama em forma de música.
Conclusão
A performance em duo nos ensina que a consciência plena não está em dominar o som, mas em escutá-lo junto. O duo é o microcosmo de uma inteligência Pachamâmica — viva, interdependente e metabolicamente sensível.
É nesse campo relacional que florescem novas formas de pensar, criar e existir. Se quisermos imaginar uma política mais empática, uma ciência mais plural, ou uma espiritualidade sem dogmas — o duo pode ser nosso laboratório de mundo.
Rodapé – Conceitos Centrais
Zona 2: Estado fisiológico de relaxamento atencional com SpO₂ entre 92–94% e HRV estável. Associado à fruição, improvisação e confiança mútua.
Quorum Sensing Humano (QSH): Capacidade de ajustar comportamento e decisões em resposta à presença bioafetiva de outros. No duo, é o campo da sintonia relacional profunda.
Pertencimento Pachamâmico: Estágio avançado do QSH em que o ser deixa de ser "parte" e passa a ser "o todo em atuação" — como numa floresta ou num coral, onde cada gesto afeta o ecossistema inteiro.
Apus: Propriocepção Estendida — percepção expandida do corpo no corpo do outro. Fundamental na escuta não-verbal da performance musical.
Eus Tensionais: Estados corporais de configuração ativa do eu, regulados por tensões musculares, viscerais e bioelétricas.
Conectomas Papel, Pedra e Tesoura: Metáforas dos estados de conectividade cerebral e seus impactos no desempenho:
Referências Científicas
Mueller et al. (2021). Neural synchrony during musical duet performance: A hyperscanning EEG study. NeuroImage, 236, 118041.
Chabin et al. (2022). fNIRS hyperscanning of musical duos: Interbrain coupling in improvisation. Scientific Reports, 12, 5324.
Khalfa et al. (2020). Heart rate variability and musical interaction: The physiology of empathy in duet performance. Frontiers in Psychology, 11, 1032.
Koelsch, S. (2020). Brain correlates of music-evoked emotions. Nature Reviews Neuroscience, 21(10), 595–605.
Zamm et al. (2021). The interpersonal phase entrainment of oscillatory brain activity in musical duos. Social Cognitive and Affective Neuroscience, 16(1–2), 78–89.